Quando uma região do nosso corpo inflama, o roteiro é clássico. Logo soa o alarme da dor. A área fica vermelha e quente, do tanto de sangue que corre para lá. Daí, uma parte de líquido acaba extravasando entre as células e ocupa espaço a ponto de deixar tudo inchado.
Se isso acontece ocasionalmente — na garganta que foi infectada por um vírus qualquer, por exemplo —, beleza. O médico, então, pode prescrever um remédio para desarmar essa reação que, em princípio, seria de defesa, se por acaso ela se prolonga demais ou parece exagerada.
A situação, porém, é bem diferente quando existe uma doença envolvendo uma inflamação que nunca dá trégua — como uma artrite, uma dermatite crônica, uma asma grave e outras tantas mazelas dolorosas. Em casos assim, o indivíduo vive tomando anti-inflamatórios da pesada.
O problema é que, quando esses medicamentos são usados por longos períodos, eles costumam causar uma série de encrencas, de enfraquecimento dos ossos a alterações no peso, passando por aumento da pressão arterial, fadiga, estômago embrulhado e muito mais. Lógico, não falta gente em laboratórios do mundo inteiro buscando alternativas capazes de desmontar a inflamação sem fazer tantos estragos.
Agora, um time de três universidades brasileiras — a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a Unifal (Universidade Federal de Alfenas) e a UFOB (Universidade Federal do Oeste da Bahia) — parece ter encontrado uma delas, bastante promissora por sinal. Onde? Na Acmella oleracea, o popular jambu que os povos da região amazônica conhecem tão bem.
Nos testes, dois compostos criados a partir do espilantol — a molécula ativa da planta, que faz a língua adormecer em receitas como a do pato no tucupí — mostraram uma eficácia semelhante à de um anti-inflamatório bastante utilizado, a dexametasona. “No entanto, os compostos inspirados no jambu não apresentam tanta toxicidade, podendo ser muito mais seguros”, explica o professor Julio Cezar Pastre, do Instituto de Química da Unicamp.
Novas moléculas
O pesquisador, especialista em química orgânica, já estava na Unicamp há mais de década, vindo de Viçosa, Minas Gerais, quando um colega que estudava o jambu perguntou se ele não poderia ajudá-lo. Isso foi em 2014. “Ele precisava de uma quantidade muito maior do espilantol para fazer alguns ensaios. O que a planta oferecia rendia pouco”, relembra. “Ou seja, ele queria que eu conseguisse um jambu sintético, vamos dizer assim. E, de cara, eu gostei da molécula.”
Para quem não habita o planeta da Química, é estranho ouvir alguém dizendo que gostou ou deixou de gostar de uma… molécula! Mas o professor justifica sua simpatia imediata pelo espilantol do jambu: “É uma molécula pequena, se a gente a compara com a de uma proteína, que é grandalhona. E, nela, há vários grupos funcionais, que seriam como encaixes capazes de ter alguma ação farmacológica no organismo. Isso permite que a gente brinque, como se fosse um Lego”, compara.
E assim, “brincando”, o cientista enxergou várias possibilidades de criar novas moléculas a partir da original. “Para isso, o que fazemos é uma edição molecular. Por exemplo, podemos tirar um grupo funcional e colocar outro em seu lugar, juntando um pedaço do espilantol com outro”, descreve.
Foi desse jeito, montando e desmontando, que ele e seus colegas chegaram a seis compostos diferentes com as “peças” do jambu. Dessa meia dúzia, dois compostos mostraram que tinham efeito equiparável ao da dexametasona.
Os remédios da natureza
O professor Pastre lembra que, se a gente olha para as prateleiras das farmácias, 40% dos remédios ou são produtos naturais ou são inspirados em produtos naturais. “Se você pensar só nos medicamentos contra o câncer, 80% deles serão assim”, calcula. “Isso mostra que a natureza é uma fonte valiosa de novos fármacos.”
Outra autora do trabalho que culminou na patente dos compostos, especialista em química de produtos naturais, a professora Daniela Aparecida Chagas de Paula, da Unifal, faz graça: “Plantas não têm pernas para fugir. Na evolução, o jeito que encontraram para se defender foi produzindo substâncias capazes de agir em alvos específicos de seus agressores.”
Bem, esses alvos muitas vezes coincidem com o que nós, seres humanos, precisamos acertar para correr de diversas doenças. Sorte nossa.
E por que o jambu?
Mas por que será que, entre as mais de 435 mil plantas terrestres que existem por aí — por baixo, 50 mil delas na Amazônia —, os cientistas foram cismar que o jambu teria um efeito contra inflamações? É bem verdade que a Acmella oleracea, além de ser usada como ingrediente na culinária do Norte, já é empregada na indústria de cosméticos e tem sido estudada como anestésico. Mas inflamação seria outro papo, outra ação.
Bem, a população amazônica proclama seus efeitos anti-inflamatórios de longa data. E não seria apenas uma questão de checar o que diz a voz do povo: há, sim, um conhecimento científico acumulado. Não sei se sabe — eu mesma descobri entrevistando a professora Daniela —, mas o jambu é um primo da arnica, usada faz tempo contra inflamações mais leves.
Curiosamente, a cientista mineira passou parte da infância no Pará. Aos 18 anos, ela decidiu que queria estudar ciências farmacêuticas justamente para achar novos medicamentos na natureza. E, durante o mestrado, focou essa busca em uma espécie que, segundo ela, dá na beira de estrada, conhecida por margaridão. A pesquisadora, na época, avaliou sua atividade anti-inflamatória.
No doutorado, ela foi além: resolveu investigar 60 espécies da mesma família, que tem flores com miolo amarelo, variações de margaridas. O nome desse clã é Asteraceae. E, entre aquelas 60 espécies que estudou, estava — adivinhe! — o jambu. Não à toa, a professora Daniela foi convidada a testar em animais aqueles compostos derivados da planta que seus colegas criaram, como se estivessem brincando de Lego.
Esses compostos, segundo ela e o professor Pastre, agem em dois alvos ao mesmo tempo — ou, sendo precisa, em duas enzimas — para interromper o processo da inflamação. Sabe-se que só remédios anti-inflamatórios mais fortes têm um alvo duplo.
Como foram os testes
Primeiro, a professora Daniela testou os novos compostos em amostras de sangue humano. Já na etapa seguinte, ela e seus colegas de laboratório provocaram um edema nas orelhinhas de camundongos. Em outras palavras, induziram uma inflamação ali, tratando os animais de orelhas inchadas com os compostos inspirados no jambu e observando como essas substâncias agiam.
“Foi dessa maneira que conseguimos comparar sua ação com o efeito da dexametasona”, conta. Mas há um detalhe importante: a dexametasona é um esteroide, feito alguns hormônios que produzimos no organismo. “Já os compostos desenvolvidos na Unicamp, não”, reforça a professora da Unifal. Isso enchia os pesquisadores de esperança de apresentarem bem menos efeitos adversos, como os ensaios com camundongos comprovaram no final.
Segundo o professor Julio Pastre, existe um enorme potencial para esses compostos virarem medicações capazes para serem usadas por longos períodos, sem causarem muitos prejuízos.
O próximo passo, dizem os cientistas, será realizar testes em animais maiores para, só depois, o jambu mostrar seus efeitos anti-inflamatórios em estudos com seres humanos. Por essa razão, a busca dos pesquisadores neste momento é outra: eles precisam encontrar parceiros na indústria farmacêutica. Ora, testes com animais maiores demandam investimentos igualmente maiores.
Duro de dizer, mas costuma ser mais fácil descobrir remédios escondidos na natureza do que parcerias nessas horas. Tomara que, desta vez, seja diferente. Afinal, o jambu promete pra valer e existem milhares pessoas precisando alternativas aos anti-inflamatórios encontrados hoje nas farmácias.
Notícia original: https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/lucia-helena/2025/10/14/compostos-criados-a-partir-do-jambu-podem-virar-remedio-contra-a-inflamacao.htm
Autoria: Lúcia Helena – Colunista de VivaBem

